The Lair of Seth-Hades: abril 2008
Arte: Meats Meier - http://beinart.org/artists/meats-meier/gallery/meats-meier-2.jpg

Presente do amigo Zorbba Baependi Igreja - artista plástico, poeta e um dos idealizadores da Revista Trimera de Letras e do Projeto Academia Onírica [poesia tarja preta].

LIRA ANTIGA BARDO TRISTE & LIRA NOVA BARDO TARDO

Galera, estou pondo uma conta PagSeguro à disposição, para quem [assumindo o risco por sua própria alma] tenha interesse em adquirir um de meus livros [Lira Antiga Bardo Triste ou Lira Nova Bardo Tardo]. O custo de cada exemplar é de R$ 10,00 + R$ 5,00 de frete. Valeu! :D

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segunda-feira, 28 de abril de 2008

DIÁLOGO (?!) INUSITADO ENTRE O NIILISTA E O PALHAÇO COM O EXCLUÍDO POR PLATÉIA...

DIÁLOGO (?!) INUSITADO ENTRE O NIILISTA E O PALHAÇO COM O EXCLUÍDO POR PLATÉIA...
— Não há comunicação! — professa o niilista em seu púlpito ante o vazio.
Alguém estende a mão sem ser visto...
"Como então insistes em professar tal coisa, se nem isto (a ausência de comunicação) se poderia comunicar?!", refuta o palhaço.
Um mendigo geme a seu lado e clama.
— Nada pode ser conhecido! — reitera o niilista, indiferente mesmo às intervenções do pobre palhaço louco e à mão estendida do mendigo.
— E como julgas então conhecer tal coisa, e com tanta profundidade, conhecendo, e tão bem, o conhecimento de que nada pode ser conhecido?! — retrucou o palhaço entre risos estridentes...
— A verdade não existe! — grita o niilista em seu desespero, como se seu grito pudesse abafar o riso insano do palhaço.
Ouve-se como que um lamento vindo do chão...
— Isto certamente é uma mentira — reitera a jocosa criatura — já que, para ti, verdade nem existe mesmo. (risos)
“É um mito! Tudo é plural!”
— Se tudo é plural, porque insistes tanto em defender o niilismo e de uma forma tão pontual?
— Tolo, nada tem fundamento em coisa alguma! Nada se pode sustentar! Desespera-te! - esbravejou o niilista, pela primeira vez externando atentar para as intervenções do palhaço.
O mendigo, homem de meia-idade, imundo e tristonho, cai num pranto inaudito...
“Se nada tem fundamento...”, disse o palhaço a mal conter-se em gargalhada efusiva, “porque somente o niilismo por ti defendido o teria?!...”
— Tudo é relativo! — prossegue o discursante...
— Mesmo isto já é uma afirmação absoluta! — contesta o irônico refutador...
E antes, porém, que a fúria o dominasse e o niilista agredisse ao interlocutor infame que lhe obstava o discurso, acalmando o coração e respirando fundo, num acesso de sabedoria sem-par, ele calmamente diz: “devemos respeitar a opinião do outro.”
Neste instante, o palhaço chorou - dando-se conta daquele que entre prantos a seu lado estava e antes sequer via -, e professou:
“Devemos respeitar o outro!”
— O outro... o outro sequer existe... existimos nós... — finalizou o niilista.
Foi então que aquelas três insólitas e estranhas figuras do cenário descortinado se aproximaram. E se abraçaram o palhaço, o niilista e o mendigo, qual irmãos.
O niilista e o palhaço se acercaram do mendigo, seu próximo, cujo estômago ardia de fome.
Foi que lhe deram-lhe o tão ansiado pão. E pondo-se ao trabalho em favor do próximo, esqueceram, por fim, rusgas, filigranas e discussões inúteis... passando, somente então, à ação!

Francisco de Sousa Vieira Filho

sexta-feira, 25 de abril de 2008

NIETZSCHE TAMBÉM É RELIGIÃO


NIETZSCHE TAMBÉM É RELIGIÃO
Pensei que só eu visse isto... ergueram um pedestal para Nietzsche e tão alto que a crítica, seja ela justa ou não, séria ou deturpada, não o atinge. Nietzsche adorava destruir ídolos, fizeram-no um, e um do tipo invulnerável.

Há razões fundadas pra se criticar Nietzsche – discordância óbvia de idéias, sua fase irracionalista (se assim podemos nos expressar), etc. Há quem diga até que ele sequer seja um filósofo, pois não há justificação racional da grande maioria de suas idéias (ainda que muitas sejam evidentes, ou, quando muito, falem mais ao íntimo que ao intelecto). Dizem-no filodoxo (um amigo das opiniões), não um filósofo (um amigo do conhecimento), a maioria de suas obras sendo tão-só aforismática, atendo-se a máximas, frases desconexas de um conteúdo geral, meras opiniões emitidas sem fundamentação alguma, o que já seria uma crítica válida, embora aquela aqui levantada seja de ordem algo diversa.

Admiro-o, embora eu mesmo seja um crítico feroz dele, ou pelo menos – em maior monta – do modo quase que religioso com que o tomam, colocando-o num pedestal onde a crítica (seja ela séria ou não, justa ou injusta) nunca chega. Transformaram Nietzsche num dogma. Assim dizem seus prosélitos: "é porque você não tem olhos de ver, nem ouvidos de ouvir; não leu direito; não compreendeu". E terminam com o argumento 'altamente' racional: "Nietzsche é para poucos" – uma evasiva e um subterfúgio rasteiro pra quem não tem como contra-argumentar com um mínimo de razão.

Ora, Nietzsche encerrou em seu pensamento o maior dos sofismas: "sou para o futuro, sou para poucos, sou póstumo". Brilhante! Quem não o aprecie ou dele discorde, excluído já fica, como quem não o entendeu. Sim, colhi muito que me aproveitasse em seu pensamento, não nego admiro-o muito – e talvez por isso encontre lastro para criticá-lo (por que será que ninguém ousa usar os golpes do martelo de Nietzsche contra o próprio Nietzsche?!) Ora, tornar um autor avesso a todo e qualquer tipo de crítica, fazer de suas idéias um berço inatingível, como 'verdade pronta' (coisa contra a qual ele mesmo combatia), é – via de regra – o modo que o vejo sendo propagado. E isto, sim, é um desrespeito para com ele!

Nietzsche declarou a morte de Deus, e fizeram-no o próprio. Criticar Nietzsche, ainda que com razões dadas, é mexer num vespeiro, num artigo de fé, e o artigo de fé que ele se tornou chega a ser quase que do tipo 'fanática', inadmitindo críticas (ainda que devidas). Santo e perfeito, ele está erigindo-se qual um deus. Depois ainda há os que aventam da promessa de ressuscitá-lo como o Dionísio redivivo.

Das brilhantes defesas que de Nietzsche já ouvi, esta é impagável: "ou não leu, ou não entendeu", tornando-o, assim, avesso a toda e qualquer crítica. Sim, porque tivéssemos entendido com ele concordaríamos... risos... e cegamente! Religião para você é só instituição?! Nietzsche é – sem embargo de juízo de valor – adorado, idolatrado, iconizado (logo ele que combatia ícones) risos... e se o é, isto não pode ser, de todo, creditado apenas a seus "seguidores", mas a ele mesmo, fazendo apôr um sofisma bruto no teor de suas obras: "sou para o futuro, sou póstumo, sou para poucos." – “Não leu! Se leu, não entendeu!" – Ah, não é pra ler é pra estudar... e se se estuda, como inviabilizar a crítica?! Mas aí dizem que devemos nos desprender de nosso olhar crítico ao ler Nietzsche, nos privarmos daquilo que talvez seja a única defesa que temos para as meias-verdades, tolices com pretensão de aceitação o que já seria no mínimo uma piada. Se é para, diante da obra de Nietzsche, proceder assim... bem, só posso concluir que isto é fazer de Nietzsche religião. E ainda terminam por dizer que Nietzsche é para ser “sentido” e não “compreendido”.

Como diria uma amiga: "nunca tive medo de Nietzsche, mas sempre terei dos Nietzscheanos."

FRANCISCO DE SOUSA VIEIRA FILHO [1]

Também disponível em:
http://www.portalodia.com/jornal/pages/pdf_04-11-2007_6_
20071103145430.pdf




[1] Francisco de Sousa Vieira Filho é advogado em Teresina-PI, militando na área trabalhista, professor de Filosofia Jurídica e Criminologia (FAESF – Floriano-PI), especialista em Direito Constitucional e mestrando em Direito pela Universidade Autônoma de Lisboa – UAL.

domingo, 20 de abril de 2008

VERDADE E OPINIÃO


VERDADE E OPINIÃO
Cada pessoa tem o direito de pensar como queira, mas, cotidianamente, cometemos o 'equívoco dos equívocos' ao dizermos "eu tenho minha verdade, você tem a sua, etc", alcunhando a nosso pensar (qualquer que seja ele) com o pomposo título de verdade.
Ora, podemos chamar de verdade aquilo que pensamos simplesmente porque pensamos assim ou assado?! Comportamo-nos como os "Pilatos do agora", que débil, maliciosa e tolamente, se perguntam: "mas o que é mesmo a verdade?!" E desdenhamos privemos de fundamento as entrelinhas desta mesma proposição: 'que não há verdade' – fazendo-se, ela mesma, igualmente uma mentira.
Acaso a verdade é decidida pela vontade da maioria, em assembléia?! O que é verdade depende de cada sociedade, grupo, religião?!
Houve época em que pensávamos que a Terra se postava no centro do universo e que o sol e demais planetas gravitavam em torno dela. Porventura por termos pensado isto e professado tais idéias como se se tratassem de verdades, elas assim se tornaram?! Foi a verdade sobre tal evento que mudou ou teríamos sido nós a mudarmos, percebendo que não era bem como anteriormente acreditávamos?!
Se eu tenho minha verdade, posso muito bem cambiá-la – como minha verdade que é (e faria do modo que bem me aprouvesse, já que é minha) – a que eu possa matar a todos os leitores deste texto por direito legítimo de uma verdade que é minha, ou ainda que possa ser o dono do mundo, já que, afinal, é minha verdade mesmo!
Como vemos, as pessoas confundem verdade com opinião (mera crença). Desde o Timeu platônico temos que verdade seria uma crença verdadeira justificada, ou seja, é uma crença com pretensões de validade fundada em sua justificação.
"Ah, toda a nossa realidade bem que pode ser mera ilusão", levanta-se alguém. – Sim, pode. Mas ela se torna isto pela simples hipótese que ora se levanta?!
Como sustenta Karl Popper, lançamos 'hipóteses' (opiniões, crenças) sobre as coisas do mundo, e elas são testadas em contraste com os fenômenos (modo como as coisas do mundo se nos apresentam). Não se sabemos se as coisas se nos mostram de fato como são. A estabilidade dos fenômenos, (repetitividade; experimentação) nos leva a crer haja igual estabilidade nos próprios objetos observados, sem que possamos dizer – com as condições de que dispomos no hoje – que os possamos conhecer em inteireza e plenitude, que possamos divisar a coisa-em-si dos objetos, sua essência. Mas conhecemos os fenômenos (modo como as coisas se apresentam a nossos sentidos), e há estabilidade nisso, pois há repetitividade em condições iguais (C.N.T.P.).
Ora, que possamos julgar que os fenômenos não são as coisas em si, e que conhecendo os fenômenos não conhecemos o 'ser das coisas', é fato. Podemos até dizer, com razoável grau de certeza, que os fenômenos talvez não passem de ilusão, mas eles são a nossa ilusão, e uma ilusão que demanda certa estabilidade, que nos permite conhecer (ainda que somente aos fenômenos e não à realidade em si).
Professar, por exemplo, que 'eu tenho a minha verdade; você, a sua' é solipsismo tolo e certo ranço das humanidades que tentam negar (e introjetar-se) aos fantásticos resultados das demais ciências, permitindo-nos mesmo possamos negá-las, de todo, sobretudo quando vemos isto ser feito por meio de programas de rádio e televisão, em conversas informais que eventualmente travemos com amigos através de telefones celulares ou ainda via internet, meios que nos desmentem com vigor.
Opinião, cada um tem a sua... Verdade, não!
FRANCISCO DE SOUSA VIEIRA FILHO.[1]
Também disponível em:
http://www.portalodia.com/jornal/pages/pdf_20-03-2008_6
_20080319214653.pdf (Verdade e Opinião)


[1] Francisco de Sousa Vieira Filho é advogado em Teresina-PI, militando na área trabalhista, professor de Filosofia Jurídica e Criminologia (FAESF – Floriano-PI), especialista em Direito Constitucional e mestrando em Direito pela Universidade Autônoma de Lisboa – UAL.

sábado, 19 de abril de 2008

VERDADE ABSOLUTA



VERDADE ABSOLUTA
Na esteira de Aristóteles e Hegel, todo aquele que professa e sustenta o que quer que seja, in casu, por exemplo, o desconhecimento, ou mesmo a impossibilidade do conhecimento, a título extremo, nada mais faz que render, inolvidadamente, louros à Razão – como fundamento último de todas as coisas. Quem professa: "nada pode ser conhecido" ou "nada conhecemos em inteireza" (com os nossos sentidos de agora), parte do pressuposto velado de que temos um conhecimento tal da realidade que nos possibilite “saber que nada se pode saber”. Mesmo isto já seria um objeto de conhecimento. E, para o tremor das almas relativistas, um conhecimento absoluto!
Quando se professa, "tudo é relativo" nada mais se faz que uma afirmação absoluta! Quando se diz "não há possibilidade de comunicação; não há comunicação" é a tola pretensão contraditória querer comunicar tal coisa, já que comunicação inexistiria. O mesmo para a verdade, que se inexiste, aquele que isto afirma, estaria afirmando a verdade: que seria a de que verdade inexistiria.
Ao cético, diria Aristóteles, cabe apenas ficar calado, nada mais! Querer verbalizar, professar, transmitir algo, já parte do pressuposto de que uma racionalidade anterior te funda, te propicia fazê-lo: que a razão fundamenta seja plausível professar, mesmo aquela tese negativista – a mais das vezes – a refletir a simples e tola revolta adolescente da humanidade em seu atual estágio.
Que, como diria Edgar Morin, naveguemos ‘entre arquipélagos de certeza em meio a oceanos de incertezas’, é uma coisa. Por haver incerteza, não podemos – NUNCA – pressupor apressadamente (e sem fundamento, diga-se) tudo seja incerteza, tudo seja desconhecimento. Doutro modo: estaríamos conhecendo – E MUITO BEM – que não há conhecimento!
Tais afirmações possuem o vigor tão passional quanto o das religiões, traduzem-se nas novas religiões do hoje, religiões do desespero, religiões negativistas, como a de um Richard Dawkins, contraditórias de per si. O ateísmo, ele também, parece ser só mais uma profissão de fé, já que os que o abraçam sustentam, apaixonadamente, e com vigor de fé, aquilo que não podem provar: que Deus não exista. Ou acaso a fé dirigida num sentido negativo (inexistência) não é fé, qual também é, aquela focada num aspecto positivo (existência)?!
E não em venham com essa de que o ônus da prova é de quem professa, pois sequer estamos num tribunal e a maior piada que eu poderia ouvir seria esta: de que houvesse uma lei cósmica a dizer, “o ônus é de quem professa”. E mesmo que assim fosse, em que se traduzia o argumento contrário que não a profissão – ela também –, mas, in casu, da inexistência de Deus?!
FRANCISCO DE SOUSA VIEIRA FILHO [1]
Também disponível em:
http://www.portalodia.com/jornal/pages/pdf_04-12-2007_6
_20071203223943.pdf



[1] Francisco de Sousa Vieira Filho é advogado em Teresina-PI, militando na área trabalhista, professor de Filosofia Jurídica e Criminologia (FAESF – Floriano-PI), especialista em Direito Constitucional e mestrando em Direito pela Universidade Autônoma de Lisboa – UAL.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

DE ONDE VEIO A INTELIGÊNCIA

DE ONDE VEIO A INTELIGÊNCIA
De onde veio a inteligência?! – Do pé!!! Por absurda que possa ser a afirmação, creio seja isto. Da Vinci já diria que o pé é a maior obra de engenharia da natureza.
Reportagem de Julho de 2006 da Revista “National Geographic” (p. 109 e segs.) nos reporta ao fato de que teria sido a modificação de nossos pés – antes similares às mãos, como nos demais primatas – que permitiu passássemos a andar de modo ereto, poupando, assim, considerável quantidade de energia antes utilizada na locomoção, energia esta necessária a garantir o aumento de nossos cérebros, os quais foram nutridos com a sobra deste excedente. Teria sido isto também o que deixou livre o uso das mãos, tornando-as passíveis de não terem sofrido a mesma diferenciação em relação aos pés, agora adaptados à locomoção.
Dessa possibilidade do uso das mãos, o surgimento do polegar opositor, permitindo o movimento de pinça com os dedos, associada a um cérebro mais adequado, propício ao desenvolvimento da razão, é que surgiram as ferramentas, e então o homem passou a modificar sua realidade externa, não mais como um animal, mas como um ser coroado com a razão, desperto para a diferença que há entre si e tudo o que o rodeia, consciente de sua individualidade. Mas a que preço?
Fôssemos proceder a uma leitura mais simplória e cotidiana da “lei de conservação”, compreenderíamos que nada se pode criar do nada, ou melhor, que para se conseguir algo de valor deve-se ofertar algo de valor similar. Troca equivalente?! – Talvez – Mas, nestes termos, quem teria pago o mais alto preço evolutivo seriam as mulheres: o andar ereto e a perda da coluna curva, tornaram ao parto o processo doloroso que é.
Viagens à parte, não podemos também categoricamente dizer que foi o uso das mãos que nos conferiu racionalidade, antes, mais fácil crer, que a racionalidade foi necessária para que, utilizando-nos das mãos como instrumental, pudéssemos modificar a realidade exterior – embora eu mesmo pense seja uma via de mão dupla: a experiência com o uso das mãos ofertando-nos o paulatino despertar da razão, ao passo que, quanto mais "espertos" ficávamos, melhor uso das mãos fazíamos, ou seja, produzíamos obras mais precisas, úteis, delicadas, artísticas, etc. A atuação conjunta de ambos os fatores foi necessária. Acostumamo-nos a respostas simples e o complexo – ainda que mais evidente – parece ser algo difícil de aceitar.
FRANCISCO DE SOUSA VIEIRA FILHO [1]
Também disponível em:
http://www.portalodia.com/jornal/pages/pdf_05-01-2008_6
_20080104220153.pdf



[1] Francisco de Sousa Vieira Filho é advogado em Teresina-PI, militando na área trabalhista, professor de Filosofia Jurídica e Criminologia (FAESF – Floriano-PI), especialista em Direito Constitucional e mestrando em Direito pela Universidade Autônoma de Lisboa – UAL.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

EDUCAÇÃO E CORRUPÇÃO: ENTRE O ESPANTO E A INDIGNAÇÃO

EDUCAÇÃO E CORRUPÇÃO: ENTRE O ESPANTO E A INDIGNAÇÃO

Fico abismado quando ouço comentários, seja na TV ou no mesmo dia-a-dia, transitando por todos os lugares, aqui e acolá, de pessoas que se dizem “espantadas” com a roubalheira de políticos, com a corrupção e a venalidade de juízes ou mesmo com a venda de atestados por médicos ou ainda com o mascaramento de suas imperícias, atuando em áreas em que não possuem especialidade alguma, etc.
Vejamos, há quem diga – creio, se a memória não me falha, tenha sido Paulo Coelho, no que, a despeito de quem seja, peço já licença pela menção – que uma traição é um golpe que não se esperava. E que se não se esperava, foi tanto mais um erro de quem desconhecia a natureza de quem traiu do que – de fato – de quem propriamente traiu.
Nossa "educação" não educa moralmente, isto é um fato. Nossa “educação”, a educação brasileira em geral, se resume – claudicante, diga-se – a uma educação que intelectualiza, mas não moraliza. Foca, por vezes tão-somente, o conhecimento lógico-matemático e o mero exercício mnemônico, nada mais. Pois bem, diante deste quadro, como então nos espantarmos com algo que seria mais que previsível?! Devemos nos indignar?! Sem dúvida! O espanto seria passar atestado de tolo.
A "educação" que o mercado prioriza (e a quem a academia tem sido servil) visa a intelectualização. E grandes intelectuais podem muito bem serem grandes criminosos, nada obsta, quer falemos disto como pendor inato ou não, fruto da influência do meio ou não, o que já seriam outras questões. Nossa educação não prepara os educandos para a convivência social, apenas instruindo, intelectualizando... Quem aqui já ouviu falar de aferição moral de um juiz ou político para assumirem tais cargos? No máximo sua ficha criminal deve estar "limpa", sendo certo que, os "melhores" (mais hábeis) criminosos permanecem sempre com sua ficha limpa. Mas, certamente, se quer saber se ele é capaz – sob o prisma intelectual – para administrar o erário ou se tem conhecimento suficiente das leis para julgar, muito embora possa muito bem fazer uso destes conhecimentos (intelectuais) para burlar o sistema.
Ora, desbanalizar o banal, para usar a feliz expressão do prof. Paulo Ghiraldelli Jr., tratar todos os temas como dignos de abordagem filosófica (filosofar sobre tudo) parece ser mesmo o mote da Filosofia. Agora, espantar-se com algo que, pelo próprio curso das coisas, seria de se esperar, é não enxergar um palmo além do próprio nariz.
É... parece que o Sócrates de Platão tinha razão: filosofar é inútil e o homem justo também o é. Filosofar e ser justo não possuem utilidade alguma, porque são categorias que não se subsumem aos lindes estreitos do utilitarismo (senão por sua supra-utilidade: a formação integral e progressiva do homem), eis que, quando se precisa de políticos quer-se bons administradores; de médicos, pessoas tarimbadas no exercício da medicina; um juiz, aquele que passe com as melhores notas numa prova que equaciona – tão-somente – sua inteligência lógico-matemática, sua capacidade mnemônica e seu talento argumentativo, não o seu caráter. Nunca se pensa, eu quero um médico moralmente correto, um juiz equânime, ou um político honesto.
Diante disto, como, então, nos espantarmos se eles se tornarem criminosos?! Se não nos preocupamos em lhes fornecer (ou ao menos exigir) uma base moral qualquer.
Indignarmo-nos, sem dúvida, nos espantarmos, não!
FRANCISCO DE SOUSA VIEIRA FILHO[1]
Também disponível em:
http://www.portalodia.com/jornal/pages/pdf_14-03-2008_6
_20080314095707.pdf (Espanto x Indignação)




[1] Francisco de Sousa Vieira Filho é advogado em Teresina-PI, militando na área trabalhista, professor de Filosofia Jurídica e Criminologia (FAESF – Floriano-PI), especialista em Direito Constitucional e mestrando em Direito pela Universidade Autônoma de Lisboa – UAL.

terça-feira, 15 de abril de 2008

SOBRE TENDENCIOSIDADE

SOBRE TENDENCIOSIDADE
Quanto a este ponto, antes mesmo de explanar coisa qualquer, eu pergunto: quantos livros, revistas, artigos de jornal, opiniões e teorias vocês já leram em que o objetivo não tenha sido convencer daquilo que ali se professava?! - NENHUM! - Quantas leituras já encontraram na vida que não precisassem passar pelo crivo de sua crítica pessoal, sob o risco de engolir equívocos e meias-verdades como se de algo de senso se tratasse?! - NENHUMA! - Quantas obras tiveram acesso a que se vissem obrigados, pela força da evidência, a aceitar e abraçar como verdade inconteste tudo o que nelas continha?! - NENHUMA! - Ou será que não houve porção de TODAS AS QUE JÁ LERAM NA VIDA INTEIRA que julgassem pouco atinente ao senso ou que não parecesse a vocês de total solidez a ponto de abraçarem-na na íntegra?! – eu respondo: TODAS!
Difícil é haver concordância plena entre as idéias de dois seres humanos, que se dirá de não primarem pelo convencimento um do outro, quanto àquilo que sinceramente cada um julga estar certo.
Certa vez, encontrei com um amigo muito religioso (no sentido institucional do termo, de abraçar a uma religião institucionalizada e de forma total), o qual, percebendo "os rumos que andei tomando", tentava "conseguir-me a salvação". No começo fiquei irado. Discutimos muito. Mas o que pude perceber pouco depois, à medida que a conversa prosseguia, foi que aquilo era motivado por um desejo sincero de, segundo a sua visão e perspectiva, querer o bem de um amigo, de alguém a quem prezava e a quem queria o melhor – ainda que o melhor segundo sua concepção de melhor.
O que pergunto de verdade (sim, porque às demais perguntas acima pus respostas prontas talvez para atiçar) é o seguinte:
É POSSÍVEL ENCONTRAR SINCERIDADE E DESPRENDIMENTO NUM LIVRO, NUMA OBRA QUALQUER, NUM ARTIGO (AINDA QUE CIENTÍFICO), NUM DIÁLOGO ENTRE DUAS PESSOAS, OU HÁ SEMPRE NISSO UMA TENTATIVA DE CONVENCIMENTO VELADA - AINDA QUE (POR VEZES) MOVIDA PELO SINCERO DESEJO DE DESPERTAR O OUTRO PARA UMA VISÃO QUE JULGA BOA, PROMISSORA, MAIS AMPLA, MAIS ABERTA, MELHOR – MESMO QUE SEGUNDO O JULGAMENTO DE QUEM A FAÇA? E AINDA SE – NESTE CONTEXTO – PODEMOS CONDENAR LIVRO, OBRA OU AMIGO QUE NOS QUEIRA CONVENCER, QUANDO DAQUILO QUE NOS QUER CONVENCER É – SEGUNDO VEJA – PARA O NOSSO BEM?
Como diria um amigo meu, os livros de matemática são os mais tendenciosos do mundo, a simples discordância já faz pressupor daquele que discorda – de antemão – esteja errado, equivocado.
Pensemos.
FRANCISCO DE SOUSA VIEIRA FILHO [1]



[1] Francisco de Sousa Vieira Filho é advogado em Teresina-PI, militando principalmente na área trabalhista, professor de Filosofia Jurídica e Criminologia (FAESF – Floriano-PI), especialista em Direito Constitucional e mestrando em Direito pela Universidade Autônoma de Lisboa – UAL.
Também disponível em:
http://www.portalodia.com/jornal/pages/pdf_26-12-2007_6
_20071225193526.pdf

P.S.: esta também não deixa de ser uma proposta tendenciosa; aquele que administra este blog, ao postar textos em sentidos tais ou quais, indubitavelmente também espera algo de você... Então cuidado:
ora et lavore...

O MISTÉRIO DA VIDA

O MISTÉRIO DA VIDA
O que é vida para que julguemos 'quando ela inicie' (fecundação, nidação, etc.), como acabe (experiências de quase-morte, ressuscitamento, reanimação), se é que temos elementos para dizer que realmente acaba?!
Uma proposição expressa por Lavoisier, assim nos exorta: “na Natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.”
É algo para pensarmos mais detidamente.
Ainda hoje a nossa Ciência reluta entre admitir ou não a “vida” de um simples vírus, ora por não ter autonomia reprodutiva independente do ser ‘de que seja hóspede’, ora por não possuir – via de regra – mais que uma simples cadeia de RNA, entre outras justificativas mais neste sentido. E tal entendimento tende a persistir, muito embora este simplório ser, supostamente ‘não vivo’, seja extremamente eficaz em destruir a complexidade da vida que rema contra a maré entrópica, a fazer com que tudo descambe de um estado de maior complexidade para um de menor complexidade, o que nos faz parecer seja a fronteira que prediz um determinado nível de complexidade como sendo vida (como soubéssemos, com precisão, catalogá-lo como tal), nada mais seja que um simples rótulo e não um conhecimento preciso da realidade.
Não poucos são os debates de cunho científico, moral, religioso e político que tentam perscrutar o início da vida em questões como o aborto. E tal estado de coisas tende a continuar inconcluso, diante dos nossos conhecimentos de até então.
E a despeito de que sequer saibamos o que seja a vida, julgamos não havê-la em outros orbes de nosso sistema solar ou quaisquer outros em meio à vastidão do cosmos infinito, simplesmente, por não terem condições semelhantes às de nosso planeta (por não ser vida similar àquela em que encontramos em nossa Terra). Ou por — mesmo usando poderosas lentes — nada conseguirmos ver. Acaso a vida se resume e se faz afeita tão-somente àquilo que podemos ver?! Assim temos sido forçados a pensar ou nos tem parecido mais conveniente. Mesmo os poderosos equipamentos e recursos que captam diversos espectros visuais vão pouco além do ultravioleta e pouco aquém do infravermelho, há os que alcancem raios-X, vá lá, mas não abraçam o vário plano de visibilidade, ou seja: não vêem tudo o que há! E que conclusão podemos tirar disto?! Que só consideramos vida aquela que for similar à que conhecemos — se é que conhecemos por inteiro mesmo aquela que se instala neste plano visual delimitado em que nos encontramos. Acaso existe impedimento de que haja outras formas diversas daquelas que normalmente confrontamos? (alguma não baseada em carbono, por exemplo). Olvidarão nossos ilustres cientistas que, ignorando o que seja a vida, igualmente ignoramos as condições, os modos, os meios em que ela se dá?! Esquecerão também quão pequeno e estreito é o limite da faixa de freqüência visual dos homens desta terra?! Assim sendo, muita coisa há que não vemos e — por não sabermos o que é vida — desconsideramos que, dentre as muitas coisas que não vemos, vida pode haver – numa conformação diversa da nossa que seja.
Plagiando Fernando Pessoa, arremataríamos com o seu dizer: "a vida é uma estrada; a morte, uma curva. Morrer é só não ser mais visto."
Francisco de Sousa Vieira Filho.[1]
Também disponível em:
http://www.portalodia.com/jornal/pages/pdf_15-11-2007_6
_20071115171637.pdf




[1] Francisco de Sousa Vieira Filho é advogado em Teresina-PI, militando principalmente na área trabalhista, professor de Filosofia Jurídica e Criminologia (FAESF – Floriano-PI), especialista em Direito Constitucional e mestrando em Direito pela Universidade Autônoma de Lisboa – UAL.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

FOLHA EM BRANCO OU COM ALGO ESCRITO NELA?!

FOLHA EM BRANCO OU COM ALGO ESCRITO NELA?!

Não se trata de uma análise técnica ou rigorosa, apenas um elencar aleatório de alguns fatos corriqueiros e um exercício imaginativo para que possamos algo pensar acerca da questão. Portanto, não se espere aqui ler algo que nos reporte diretamente a um Piaget ou a um Chomsky.
* * *
Não recordo se se tratava de notícia plausível ou apenas de um boato, mas li, há algum tempo atrás, que o ator Anthony Hopkins, após considerável tempo interpretando o Dr. Hannibal Lecter, teve de fazer um tratamento com um psicólogo (ou psiquiatra, não lembro) para se desvencilhar da personagem – um psicopata com inteligência acima da média, ele mesmo um psiquiatra forense, com forte pendor artístico e hábitos canibalescos. Acho que todos conhecem os filmes em que ele protagoniza: “Silêncio dos Inocentes”, “Dragão Vermelho” e “Hannibal”. Pois bem, diz-se que ele teria feito isto a pedido de sua mulher, que, eventualmente, teria notado alguns olhares “enviesados” do ator dirigidos a si, como se a personagem estivesse aflorando e predominando sobre o próprio ator.
De outra feita, foi o ator Patrick Swayze, que, após o filme “Para Wong Foo, obrigada por tudo, Julie Newmar”, em que interpretava um homossexual, sentiu necessidade de fazer esportes radicais (bungee jump, rapel, escalada, etc.), pois dizia ter imergido demais na personagem, um transformista, e estaria trazendo hábitos e trejeitos da ficção para sua vida pessoal. Em entrevista ao Jô, disse saber andar de salto melhor que qualquer mulher e desafiava a todas.
Certa vez, no antigo bairro em que eu morava, havia um casal com apenas um filho de dois anos, dois anos e meio, algo assim. Não era lá um bairro violento. Mas os pais do garoto sempre diziam à empregada que não podia atender no portão pessoas que não fossem conhecidas da família. Diziam que não se devia dar esmolas, por receio da violência, etc. A criança mal balbuciava as primeiras palavras, mas quase sempre estava por perto quando os pais diziam isso, porque a empregada era também sua babá. Eu mesmo já havia presenciado eles dizerem tais coisas perto da criança. Pois bem, a despeito mesmo dessa "influência" contrária dos pais, sempre que havia um pedinte à porta, o garoto se dirigia à despensa e trazia um saco de açúcar, de flocos de milho, ou algo assim, e ofertava a quem pedia. É um caso isolado, eu sei, e também não serve para – da situação – querer estipular uma regra. Mas já observei também – e creio que muitos também tenham participado de experiência similares – crianças serem naturalmente egoístas com seus brinquedos, quanto a ter que dividi-los com irmãos ou amigos, e outras já sendo mais desprendidas. E isto em se tratando de crianças que sequer sabiam falar ou que – segundo pensamos – não teriam meios de absorver influência racional quanto ao que entendamos por altruísmo ou egoísmo. Genética?! – sabe-se lá...
Nas aulas de medicina legal e criminologia, analisando um sem-número de patologias psíquicas e psicológicas, notava, em conversas com os colegas de turma, que não havia um só dentre nós que não se identificava, em maior ou menor monta, com os casos analisados, qual observássemos termos algo, uma mínima semente que seja, de todos aqueles comportamentos patológicos.
Pois bem, neste sentido, pergunto: podemos dizer que somos uma folha em branco em que tudo se insere; ou poderia ser mais producente e adequado dizermos termos em nós a potência para todas os pendores, sejam eles bons ou maus?! Ou ainda uma proposição que coadune as duas coisas: folha com algo escrito com espaços em branco?!
Acho que, por vezes, tendemos a nos apaixonar por nossas concepções, idéias e teorias e a tratá-las como bandeira de fé inarredável, muito disto em decorrência de uma apreensão e uma leitura equivocada de Descartes, ainda que sub-reptícia, já que podemos absorver muito de seu pensamento antes – ou a despeito mesmo – de tê-lo lido, pesando fortemente o reflexo da imposição educacional de um modo de pensar mecanicista que diz ter raízes nele. Seria como se puséssemos uma lupa num fator, por vezes nem o principal, mas num que se coadune mais com o que pensamos, e desprezássemos os demais. Apreenderíamos o simples, e esqueceríamos o complexo. Mas e se a Verdade descortinar que todas as respostas estão corretas?! Aí – com certeza – iríamos nos debruçar em saber qual proporção de cada uma teria nesta conta.
Ora, nada parece ser simplório como queremos crer. Ainda temos a "mania" herdada de uma má-interpretação sub-reptícia de Descartes de divisar as partes, o simples, e não o complexo. Observamos com lente de aumento uma das causas e julgamos seja ela a única. O que quero dizer é que – mais provável – exista um sem-número de fatores e não um só, como queremos mais facilmente digerir, porque mais simples.
Se for como na metáfora da folha em branco, penso, seríamos como uma folha com algo escrito mas com muitos espaços em branco para serem preenchidos a posteriori. Se formos como o brinquedo lego, livres para encaixarmos novas peças ou as retirarmos, como uma amiga certa vez me colocou, o núcleo – acredito – terá algumas peças inamovíveis.
Apenas para exemplificar: de que experiência exterior retiramos a idéia de ponto ou a de infinito?! E não me venham dizer que de idéias pouco plausíveis a imaginação humana está cheia. O pontual e o infinito não encontram reflexos na maneira de ver empirista, tampouco se podendo dizer tratar-se de idéias fictícias (produtos da imaginação), nem de idéias adventícias (resultado da apreensão do meio), senão de idéias inatas (proposições embrionárias que traríamos conosco, não sendo resultado do aprendizado ou da experiência). Vejamos, a matemática mesmo – para usar o exemplo mais evidente – constantemente nos assombra com proposições e idéias que não advém da experiência sensível, como trouxéssemos no íntimo algo mais, algo além.
Penso, fôssemos qual folhas, nem tudo nela seria uma pauta branca ansiando por seu escritor.
FRANCISCO DE SOUSA VIEIRA FILHO [1]
Também disponível em:
(Papel em branco - I)
(Papel em branco - II)


[1] Francisco de Sousa Vieira Filho é advogado em Teresina-PI, militando principalmente na área trabalhista, professor de Filosofia Jurídica e Criminologia (FAESF – Floriano-PI), especialista em Direito Constitucional e mestrando em Direito pela Universidade Autônoma de Lisboa – UAL.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO NÃO-SER


A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO NÃO-SER - Relativismo insustentável e proposição de uma idéia de Justiça Absoluta


Heráclito nos legou importante frase lapidar, ao professar o aforismo, segundo o qual, um homem não poderia banhar duas vezes no mesmo rio, porque o homem não mais seria o mesmo, nem o rio. Analisando tão-somente esta frase descontextualizada do nobre pensador de Éfeso, poderíamos dizer que Heráclito teria feito uma exaltação ao devir (uma exaltação à mudança), a querer dizer que, num eventual outro dia, quando o mesmo homem viesse a tomar banho no mesmo rio em que todos os dias ele banha, banhará em águas outras, não naquelas do dia anterior, porque elas já terão passado (elas, obviamente, já terão corrido rio abaixo), e que ele também – o homem – já não mais será o mesmo, já terá mudado no dia seguinte, já terá aprendido coisas novas, não mais sendo o mesmo homem que fora no dia anterior.

Protágoras, hábil sofista retratado por Platão em diálogo de igual nome, negava, por sua vez, a existência (a possibilidade de existir) uma ciência objetiva, um conhecimento certo, preciso, desprovido de dúvidas. No entanto, é de se perguntar: não estaria ele – ao fazer isto (ao pressupor que não existe conhecimento exato) – dizendo, por outras palavras, que conhecia objetivamente (com exatidão) que não há possibilidade de haver conhecimento exato (ciência objetiva)? Ou seja: este seu conhecimento de que não há saber sólido, objetivo, válido, certo, exato, não seria – ele mesmo – um conhecimento sólido, objetivo, válido, certo e exato? Não estaria ele dizendo, com isso, conhecer objetivamente que não há possibilidade de se conhecer objetivamente? E, se o fez, não haveria uma contradição evidente nisto? Atentemos bem: ele não admite possibilidade em contrário para a proposição que levanta, ou seja, ele – ao defender a imprecisão, a impossibilidade de precisão (a impossibilidade de exatidão) – era preciso, certo, exato, taxativo. Em melhor palavra, ao dizer que nada se pode conhecer com objetividade, que não há, categoricamente, ciência objetiva, não seria isto (este seu dizer) um conhecimento objetivo, exato, preciso, uma ciência objetiva ele próprio?

No mesmo mote, Górgias Leôncio, outro sofista a que nos deu a conhecer Platão, chega ao cúmulo do absurdo ao proferir que “nada existe, e se existe, ninguém o pode conhecer”, conhecendo ele, e muito bem, que nada existiria, nem poderia ser conhecido, muito embora – para fazê-lo – ele afirme, contraditoriamente, ter ciência (conhecimento) disto; estando a propor talvez, por outro lado, que o nada seria um ser, que existiria, que teria existência própria, então – por fim – algo acabaria existindo. Nietzsche, na mesma esteira, diria não existirem fatos, tão-só interpretações, embora isto possa ser englobado, ele também, como uma interpretação, não um fato.

Vejamos: quando alguém afirma: “tudo é relativo!”, quando este alguém professa que tudo varia, que tudo muda com o tempo, que tudo se altera, não estaria, este mesmo alguém, a dizer, por outro lado, que nada se mantém, que não há solidez em coisa alguma, tampouco no conhecimento, ou seja: que, se tudo é realmente relativo, o conhecimento também seria relativo (já que, obviamente, faz parte de tudo, de todas as coisas)? Agora, este relativismo em tais moldes não englobaria o conhecimento (certo, preciso, objetivo) de que tudo é relativo? Isto não o faria contraditório; contrário a si mesmo? Pois bem, se digo: “tudo é relativo!”, estou fazendo uma afirmação absoluta – uma afirmação que vale (ou pretende valer) para todas as coisas, mas que não pode nunca valer para si mesma, sob pena de fazer-se relativa, não sendo mais aplicável a todas as coisas, já que ela quer impor-se absolutamente a tudo, a todas as coisas, donde se presumiria, englobando até a si, embora não o possa sob pena de contradizer-se, qual o faz.

No mesmo contexto, acaso aquele que professasse o relativismo em tais bases, aquele que afirmasse que todas as coisas são relativas, não estaria ele a conhecer, e muito bem (ou seja: a conhecer absolutamente, com total grau de certeza), que todas as coisas são relativas? (à exceção – mui conveniente, é claro – deste seu conhecimento absoluto de que todas as coisas são relativas?!) Em melhor palavra, não estaria ele fazendo de seu conhecimento algo absoluto, embora professe, em seu cerne, exatamente o relativismo?!

Ora, querer impor o relativismo a todas as coisas é, noutros termos, querer “absolutizar” o relativo; é querer fazer do relativismo regra válida para todo e qualquer caso (uma regra absoluta, e, portanto, contrária a si mesma, uma exceção a si mesma). Isto faz do relativismo em tais moldes algo aplicável para todos os casos menos para o seu próprio quando afirma e sustenta: “tudo é relativo”, sendo esta sua afirmação mesma uma afirmação absoluta – e, portanto, contrária a si!

Se é para falar de algo absoluto, ou que se nos afigura sê-lo, basta observar que: não há quem, em seu juízo perfeito, não se ressinta diante de um ato ou fato injusto a ocorrer diante de si. Muito embora sequer possa explicar a sensação e/ou conceituar o justo-em-si, o homo-medius (o comum dos homens, o homem simples, o homem de poucas letras) – mesmo ele – se choca, se ressente, é tocado por aquilo, pela injustiça que vê, e que causa comiseração em seu íntimo. Perguntássemos ao vulgo se sabe explicar o complexo mecanismo da visão, ele redargüiria que, muito embora não saiba explicá-lo, no entanto ele vê — e isto lhe basta. Assim, também, com a idéia de Justiça. Podemos até não saber explicá-la, mas todos a sentem e dela fazem geral noção. Não podemos negar, porém, que as apreensões desta noção sejam (ou pareçam ser) mais apuradas em uns indivíduos que em outros, e nuns povos mais aprimorada (mais evoluída) que noutros, mas vislumbramos que se pode — e os fatos o provam — remontar um traçado rumo a uma visão mais burilada da idéia, um paradigma de maior solidez para o Justo, como que galgando degraus rumo a um pendor tendente à perfectibilidade. Perfectibilidade esta que é (ou parece ser) inata ao gênero humano, qual igualmente ocorre com a idéia nebulosa, cinzenta e imprecisa (mas em todos presente) de Justiça, a paulatinamente aprimorar-se nos corações dos homens e nos seios das nações. Ora, é o mais rasteiro lugar-comum exemplificar que o simples fato de ver mesmo a um animal irracional sendo maltratado e açoitado por seu dono já causa alguma comoção no íntimo da mais indiferente e fria alma, embora sequer saibamos explicar tal sensação/sentimento. Parece haver algo de comum neste sentimento de choque pelo qual todos passamos quando diante de uma injustiça, embora não saibamos explicar bem o quê seja. Existe algo que torna similar a idéia de justiça que um indivíduo e outro fazem, independente talvez da etnia de ambos, de suas origens, do país de onde cada um adveio, das concepções filosóficas, políticas e religiosas de cada um, ou mesmo da época em que viveram. Algo tão óbvio deveria pasmar mesmo ao menos racional dos homens, a soerguer-se diante disto com um dizer que só do gênio shakespeariano poderia brotar: há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia.

Bem assim, pergunta-se: poderíamos dizer que houve uma evolução na concepção do justo, ou na concreção desta idéia de justiça pelo Direito, analisando, por exemplo, as construções jurídico-legais de Roma, fulcradas na escravidão e dominação dos povos vencidos, passando pela Idade Média européia vista como um todo, com suas penas desproporcionais e crudelíssimas, até atingirmos as mais modernas e contemporâneas concepções?! Poderíamos dizer, ainda, que hoje dispomos de um aparato legal mais justo que aqueles primeiros, que evoluímos neste tocante?! Com base em quê podemos dizê-lo? Quais os fundamentos que nos permitem dizer disponhamos, hodiernamente, de ordenamentos jurídicos mais justos? Podemos realmente dizê-lo? Ou o justo seria relativo e nossos ordenamentos modernos e contemporâneos nada mais seriam que diferentes – tão-somente diferentes, nem melhores nem piores – que os de uma concepção romana, medieval ou islâmica radical, por exemplo?

Assim sendo, atentemos para o fato de que professar que o justo seja relativo seria o mesmo que dizer: tanto faz o trato ofertado à mulher no Ocidente ou no Oriente (e convenhamos, mesmo a par da jornada tripla de trabalho, da opressão de toda a sorte sofrida pela mulher no Ocidente e dos alarmantes índices de violência doméstica – sobretudo porque consideravelmente inferiores à violência real, já que o número de denunciantes é absurdamente menor que o de agredidas – ainda assim se afigura situação sobremaneira melhor que aquela que prima pela submissão total e irrestrita ao marido, que impõe o uso de ‘acessórios’ como o véu ou a “burca”, ou ainda que impossibilita as mulheres de freqüentarem o ensino superior); e poderíamos ser indiferentes ainda em relação a um ordenamento que imponha a tortura ou a escravidão como prática livre e desimpedida, acaso professássemos seja o justo relativo nos termos ora levantados (muito embora saibamos, também, que os EUA, enquanto levantem o brasão da Democracia no mundo – ou digam fazê-lo –, sejam adeptos contumazes de práticas similares; que não me deixem mentir Guantânamo ou Abu Ghraib); ou ainda o fato de a escravidão ser ou não protegida por disposições legais configuraria mera questão de opção (legal), não se podendo valorar sua eventual legalidade ou ilegalidade, sob a óptica de dado ordenamento jurídico, como sendo justa ou injusta, com base em nosso olhar de hoje, caso adotássemos o relativismo nos moldes propostos no tocante à questão ora analisada.

Assim, se houve evolução, se concordamos que há falar-se em evolução na questão da concepção do que seja justo para os povos, civilizações e épocas citados, não seria o mesmo que dizer que nem tudo seria relativo?! Ou seja, não seria dizer que há alguma solidez quando afirmamos que ‘as coisas’, neste tocante, mudaram para melhor? Que se fossem realmente relativas teria havido apenas uma mudança no sentido de se tornarem diferentes, nada mais, nada menos – nem melhores, nem piores que as opções precedentes – apenas diversas?

Ao que parece, entre dois pontos, só podemos dizê-los diferentes, nada mais. Ou seja, a única afirmação possível de se levantar acerca de dois pontos comparados entre si é que um não é o outro, que são pontos diferentes. E só haveria falar-se em evolução se comparamos os dois pontos em comento em relação a um terceiro parâmetro objetivamente melhor que os dois. Aquele ponto que, sob dada perspectiva, mais se aproximar do parâmetro-terceiro objetivamente melhor, seria o mais evoluído (no tocante específico à questão analisada). Noutros termos, é preciso um parâmetro objetivo (ainda que não divisado em inteireza ou com a precisão desejada, como parece ser o parâmetro do justo), para que possamos valorar determinada concepção como melhor (mais justa) que outra. E, objetivamente, parece que podemos afirmar, sim, no tocante específico de determinados institutos, como os ora elencados, que as construções Ocidentais (no estreito limite proposto, óbvio) são superiores às Orientais, por mais se aproximarem desta noção rudimentar que todos temos (imanente) – ou parecemos ter – do que seja justo e certo. Em contrapartida, se focarmos outros institutos, em situações diversas, como – para não fugir ao exemplo islâmico – é o caso da mendicância e do analfabetismo, observamos que países islâmicos sem-conta (a exemplo daqueles dentre os grandes produtores de petróleo) apresentam índices com patamares aproximados a zero. Ou seja, neste sentido, no tocante aos institutos então analisados, sem dúvida alguma as construções Orientais são objetivamente mais justas que a prática Ocidental, justo por mais se aproximarem do mencionado parâmetro-melhor no tocante às posições ora comparadas. E isto, segundo aferições e ilações – espera-se – algo objetivas, o mais gerais possível, perceptíveis em nível aferível até mesmo pelo senso comum, como acreditamos ter demonstrado, universais enfim, e, quiçá, – é o que parece ser – levando a conclusões que rumam para um paradigma mais estável, talvez até absoluto.

FRANCISCO DE SOUSA VIEIRA FILHO
[1]

[1] Francisco de Sousa Vieira Filho é advogado em Teresina-PI, militando mais percucientemente na área trabalhista, professor de Filosofia Jurídica e Criminologia (FAESF – Floriano-PI), especialista em Direito Constitucional e mestrando em Direito pela Universidade Autônoma de Lisboa – UAL.