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sábado, 10 de maio de 2008
MEDO E DOMINAÇÃO
MEDO E DOMINAÇÃO
A política do medo e sua utilização para fins de domínio e controle
Não podemos viver com medo, embora – é fato – dele precisemos para sobreviver. Explico melhor: não podemos viver em constante estado de temor, mas, ocasionalmente, ele nos é (como sempre nos foi) muitíssimo útil em situações de perigo ou ameaça. O medo teria garantido a sobrevivência das espécies e a evolução da vida até o galgar de condições que tornaram possível o surgimento de um ser racional. É ele um dos móveis e o estopim mesmo, por assim dizer, de todo o sistema nervoso simpático, fazendo injetar altas dosagens de adrenalina no organismo (a possibilitar reações rápidas ante o menor sinal de perigo), dilatando as pupilas (a fim de ampliar os sentidos e as percepções, possibilitando, igualmente, uma reação mais precisa face ao objeto do temor), deslocando o sangue da periferia para o centro do corpo, dos órgãos e membros mais periféricos para os mais vitais e centrais (de um lado, isso evita hemorragias em caso de danos naqueles órgãos e membros de maior exposição; de outro, prioriza a manutenção da viabilidade vital do ser, preservando seus órgãos principais e mais importantes). Enfim, o medo teria contribuído, de um certo modo, para que atingíssemos a condição de, hodiernamente, podermos pensar e refletir sobre ele. Todavia, este mesmo medo que garantiu a sobrevivência pode vir a matar... e a matar lentamente.
Divisemos a questão sob um outro prisma. O mote de toda a educação ocidental, por exemplo, parece ter sido exatamente o medo. Medo de notas baixas, medo de reprovação, medo da reprimenda dos pais, dos professores e da sociedade, medo do remorso e da culpa daí decorrentes, medo... Parece que fomos criados, preparados, doutrinados mesmo, para vivermos sob a égide do medo. Tal sentimento, de há muito, deixou de ser o simples móvel de uma reação necessária ante uma situação clara e evidente de perigo ou ameaça, passando, hoje, a ser quase que um modo de viver – e isto, sobretudo, no Ocidente. Temores de toda a sorte se espalharam e se perpetuaram independente da existência de um objeto causador de perigo ou não. O Ocidente parece ter engendrado objetos de temor abstratos, sinais de perigo perenes, inamovíveis e, sobretudo, irreais, a pautar um igualmente constante estado de temeridade e de alerta. E isto não parece ter se dado ao acaso, mas atendendo a uma certa ordem de interesses.
De fato, vivemos em constante estado de alerta. Vivemos sob o signo de um perigo invisível, onde quer que estejamos - o que se evidencia sobretudo nas grandes cidades. O sistema parece ter feito de uso constante aquilo que surgiu para ter vazão em ocasiões de eventualidade. Pintou-se o objeto de temor em tudo. Para onde quer que foquemos o olhar, passa a quedar-se ali a face do terror – que nem mais precisa existir no mundo exterior, porque fez pouso perene no íntimo e nos corações. Via de conseqüência, paulatinamente nos distanciamos uns dos outros. É que o outro, como todas as coisas mais, transmutou-se – ele também – na própria face da temeridade. Eis o que marca a sensível e básica diferença que reside entre medo e fobia, entre o que é simples mecanismo de defesa e o que é a manifestação desregulada do mesmo; entre sua ativação em resposta a um objeto de temor específico, protegendo o organismo de eventual ameaça; e o acionamento indiscriminado e irracional deste mesmo mecanismo, a externar-se, com constância e freqüência tal – sem que haja qualquer agente fomentador desta sua atuação – que o conseqüente desgaste daí decorrente pode vir a ser fatal, seja sob a perspectiva individual ou mesmo coletiva, como veremos adiante, levando-nos a um limiar entre aquilo que podemos ser, aquilo que o ser humano pode vir a externar enquanto manifestação de sua potência e a exteriorização do que talvez haja de mais profano, a redução do homem à condição de meio para a consecução de fins determinados por outros.
Se se quer dar crédito, tememos a violência, por exemplo. E, via de regra, ela constitui uma chama fortemente alimentada pela farta lenha da massiva exposição na mídia de situações que se reportam, direta ou indiretamente, ao uso indiscriminado da força, da coação, da supressão das liberdades (de pensar, de ir e vir, etc.), enfim, da violência em todas as suas vertentes, seja por parte quem delinqüe e descumpre as normas, seja por aqueles que são encarregados, exatamente, de lhes dar cumprimento. Os índices, sejam eles oficiais ou não, demonstram um lento, porém paulatino, decréscimo da violência 'real'. Todavia, pouco importa que a violência de fato decaia, se o que vende (ou pelo menos seja este o argumento utilizado), se o que confere audiência, se o que dá lucro é a violência. Os índices de exploração da violência pela mídia cresceram a ponto de ocupar bem mais de 60% de tudo o que é veiculado em todas as frentes (TV, internet, rádio, jornal, etc.). A violência teria virado apenas um produto a mais de um voraz e irracional impulso de mercado. E teria sido, então, que passamos a nutrir e ostentar um temor quase que reverencial por uma abstração, por uma virtualidade, por algo que – guardadas as devidas proporções – nem sequer existe na precisa medida em que se dá a conhecer. Não haveria sequer falar-se a rigor em liberdade de imprensa, mas em liberdade de empresa – e, por vezes, nem isso.
Tal situação, porém, se reproduz e está presente nas mais diversas esferas. Há o temor pela perda do emprego (desemprego); receia-se da própria incolumidade física (nas grandes cidades tornou-se incogitável sair de casa portando jóias, adereços quaisquer ou valores de maior monta – a propósito, passamos a viver – todos – enjaulados em nossa própria prisão particular); teme-se as contas, receia-se das dívidas (de não se poder pagá-las, da cobrança, etc.); há reservas até em relação ao olhar alheio, ao julgamento que os outros façam ou pretensamente estejam a fazer; há pudores quanto a tudo e a todos. O mundo tal qual se organiza hodiernamente privilegia o medo, e quem dele “melhor” se utiliza mais consegue tirar proveito próprio, mais consegue dominar. É mesmo um lugar-comum dizer que o medo e o terror consubstanciam os principais instrumentos de dominação de que se vale hoje o sistema para manter-se, para perpetuar-se. Cria-se um objeto de medo e o Estado logo se prontifica a soerguer-se como o bastião da única solução viável à proteção dos cidadãos, muito embora seja ele mesmo a – sub-repticiamente – criar e manter meios de controle do medo coletivo, sobretudo valendo-se da imprensa oficial. Funciona mais ou menos como numa indústria de informática que fabrica programas anti-vírus. A princípio, ela teria surgido para eliminar os vírus, atendendo, assim, às necessidades de seus clientes. Pari passu, os empreendedores de tal negócio teriam compreendido que eliminar os vírus (seu objetivo maior) significaria eliminar sua própria raison d´être. Isso vale para o Estado como também vale para o Direito que o secunda. Se, por exemplo, o Direito conseguir um meio eficaz de, sem tolher as liberdades, fazer com que as normas sejam plenamente cumpridas, não mais haveria necessidade de uma instância protetiva, coativa ou mesmo executora de eventuais sanções, uma vez que as normas estariam interiorizadas de tal modo, que não haveria falar-se em seu descumprimento, tornando inútil uma instância reguladora de seu descumprimento - que não mais há (...) enfim, equilibrar as relações sociais, alcançar a “justiça”, garantir o cumprimento da vontade geral ou a satisfação de uma determinada instância de bem comum (culturalmente falando, que seja), significaria o fim do próprio Direito. Noutros termos, para nos valermos da metáfora em uso, a da empresa de programas anti-vírus, eliminar os vírus consubstanciaria exatamente eliminar a si mesma. Se de um lado a empresa se propõe a deles proteger os computadores, de outro, é deles mesmos (dos próprios vírus) dependente; não sobreviveria, nem existiria sem que houvessem vírus de computador – sem eles perderia sua razão de ser e existir.
Pois bem, cabe alertar dizermos isto sem nenhum cunho de querer propor aqui uma teoria da conspiração a mais – dentre as muitas que já há. E, por vezes, é necessário que se diga, algumas são até assim rotuladas com o deliberado e indisfarçado intuito de, com isso, diminuí-las; de combatê-las com este simples proceder; de desprezá-las (não por seu eventual conteúdo ilógico, irracional, não atinente ao senso, mas pelo simples fato de se lhes apor um rótulo que confira a pecha de se tratar de sandice, de assunto de somenos importância), sem que se diga necessária qualquer averiguação de senso quanto a seu cerne. Ora, resta óbvio ser este o "raciocínio do sistema": postar-se como uma solução milagrosa para um problema que, grosso modo, sequer existe, que é virtual. O homem é um ser gregário, um ser social, já diria Aristóteles, ao vislumbrar a clara incapacidade de um indivíduo, desde a mais tenra idade, suster-se por si só (ter alguma viabilidade vital qualquer sem o auxílio dos pais), ou manter-se sem o apoio mútuo dos que participam da mesma comunidade, quando da adultície. Pois bem, que o homem seja um ser social, é uma coisa, isto, porém, não é o mesmo, nem equivale a dizer seja o homem um ser estatal. Quero crer talvez um dia não mais precisemos do Estado e dos aparatos que lhe são por adendo (sobretudo os que visam, tão-só, à sua perpetuação em detrimento do indivíduo, do cidadão).
O medo, vimos, refere-se a um objeto real; a fobia, por sua vez, foca uma virtualidade. O escritor José Saramago, no documentário “Janela da Alma”, assevera vivermos hoje – mais do que nunca – na Caverna de Platão, a dizer que preterimos o mundo real em prol do virtual. E exemplifica isto ao propor que o cinema seria uma perfeita imitação da Alegoria da Caverna, uma vez que tendemos, por exemplo, a nos emocionar com o mendigo das telas (das sombras projetadas pelo filme, do virtual), ao passo que, ao sairmos do cinema, ao vislumbrarmos as luzes do “mundo real”, é costume sermos indiferentes ao mendigo REAL que nos roga por esmolas à porta de saída do próprio cinema. Também neste sentido, basta ver que aquilo que é veiculado pela imprensa, via de regra, tem bem maior poder de dirigir o pensar e o agir do homem que a própria realidade (se nos é lícito falar de algo como isto: realidade). O exemplo comum seria o das pesquisas de opinião de voto, muitas das quais – é a triste “realidade” brasileira (provável, mundial) – não condizem em nada, estatisticamente falando, com a intenção de voto daquele universo amostral que digam representar. Não se quer dizer que não hajam pesquisas sérias, pautadas em critérios verificáveis, etc., mas – sem dúvida – a neutralidade da maioria das quais é quebrada, seja por culpa ou por dolo, seja em decorrência do atendimento a interesses outros, seja por focar um universo amostral, uma região, um locu que pouca representatividade teria para se erguer ilações referentes ao todo. Por vezes, pesquisas que praticamente determinam a convergência dos votos de toda uma eleição sequer foram feitas mesmo, ou – quando o são – não atendem a parâmetros de lisura minimamente verificável. Entretanto, a despeito disto, elas são capazes de modificar os rumos de uma eleição em grau consideravelmente maior que aquilo que poderíamos chamar ‘intenção de voto real’ ou o ‘pendor natural do eleitor’. – Liberdade?! – Independente mesmo do campo que estejamos a tratar, da abordagem feita ou ainda da temática focada (seja em matéria de política, esportes, fatos do cotidiano, da vida e do mundo), aquilo que é transmitido pela TV, decorrência do próprio poder de alcance desta mídia, é capaz de pautar a vida das pessoas, seu pensar e seu agir. Milan Kundera já explicitava que o virtual passara a, paulatinamente, ter bem maior peso na formação de opiniões que o próprio real, a dizer que o real – se se pode falar nele, frise-se – seria pouquíssimo visitado, ao passo que o virtual seria o lugar-comum, a isto chamando de imagologia.
Bem, se o homem é um ser racional, poucos são os que andam, por aí, exercitando condizentemente sua humanidade hoje em dia. A grande maioria parece preferir viver sua “vida de gado”, bastando-lhes bom pasto e água farta para saciar a sede – a mera satisfação da vida animal, o velho panis et circencis que nos legou Roma – como se já não bastasse o Direito (risos). Desatentam para ânsias outras além das do corpo: as necessidades da mente pensante, o exercício da razão, o divisar as coisas do mundo com olhar crítico (ler nas entrelinhas), alimentar a alma com arte (“nem só de pão vive o homem...”, já diriam as escrituras), alçar vôos com a filosofia ou tatear (para usar o termo de um Edgar Morin) nossos poucos “arquipélagos de certeza” (em meio a oceanos de incerteza) com a ciência.
E ele persiste e ainda nos persegue qual sombra sinistra a embotar-nos a visão, a nos fazer aceitar docilmente os grilhões daqueles que mandam, dos que dominam, a - sutilmente - se sobrepor à nossa própria sombra, gritando-nos ao pé do ouvido uma necessidade premente de libertação – não mais apontando o caminho para a fuga de um perigo ancestral que nos garanta a mera sobrevivência, mas evidenciando a necessidade de um “bom combate”, no único campo de batalha possível: a mente e o coração, para então nos livrarmos de um mal outro, consideravelmente maior e potencialmente irremediável, (eis que a chave da cura estaria conosco mesmos, com cada um) – a escravidão em nossa própria caverna interior, nossa escura e solitária prisão sem muros.
Francisco de Sousa Vieira Filho
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quarta-feira, 16 de abril de 2008
EDUCAÇÃO E CORRUPÇÃO: ENTRE O ESPANTO E A INDIGNAÇÃO
EDUCAÇÃO E CORRUPÇÃO: ENTRE O ESPANTO E A INDIGNAÇÃO
Fico abismado quando ouço comentários, seja na TV ou no mesmo dia-a-dia, transitando por todos os lugares, aqui e acolá, de pessoas que se dizem “espantadas” com a roubalheira de políticos, com a corrupção e a venalidade de juízes ou mesmo com a venda de atestados por médicos ou ainda com o mascaramento de suas imperícias, atuando em áreas em que não possuem especialidade alguma, etc.
Vejamos, há quem diga – creio, se a memória não me falha, tenha sido Paulo Coelho, no que, a despeito de quem seja, peço já licença pela menção – que uma traição é um golpe que não se esperava. E que se não se esperava, foi tanto mais um erro de quem desconhecia a natureza de quem traiu do que – de fato – de quem propriamente traiu.
Nossa "educação" não educa moralmente, isto é um fato. Nossa “educação”, a educação brasileira em geral, se resume – claudicante, diga-se – a uma educação que intelectualiza, mas não moraliza. Foca, por vezes tão-somente, o conhecimento lógico-matemático e o mero exercício mnemônico, nada mais. Pois bem, diante deste quadro, como então nos espantarmos com algo que seria mais que previsível?! Devemos nos indignar?! Sem dúvida! O espanto seria passar atestado de tolo.
A "educação" que o mercado prioriza (e a quem a academia tem sido servil) visa a intelectualização. E grandes intelectuais podem muito bem serem grandes criminosos, nada obsta, quer falemos disto como pendor inato ou não, fruto da influência do meio ou não, o que já seriam outras questões. Nossa educação não prepara os educandos para a convivência social, apenas instruindo, intelectualizando... Quem aqui já ouviu falar de aferição moral de um juiz ou político para assumirem tais cargos? No máximo sua ficha criminal deve estar "limpa", sendo certo que, os "melhores" (mais hábeis) criminosos permanecem sempre com sua ficha limpa. Mas, certamente, se quer saber se ele é capaz – sob o prisma intelectual – para administrar o erário ou se tem conhecimento suficiente das leis para julgar, muito embora possa muito bem fazer uso destes conhecimentos (intelectuais) para burlar o sistema.
Ora, desbanalizar o banal, para usar a feliz expressão do prof. Paulo Ghiraldelli Jr., tratar todos os temas como dignos de abordagem filosófica (filosofar sobre tudo) parece ser mesmo o mote da Filosofia. Agora, espantar-se com algo que, pelo próprio curso das coisas, seria de se esperar, é não enxergar um palmo além do próprio nariz.
É... parece que o Sócrates de Platão tinha razão: filosofar é inútil e o homem justo também o é. Filosofar e ser justo não possuem utilidade alguma, porque são categorias que não se subsumem aos lindes estreitos do utilitarismo (senão por sua supra-utilidade: a formação integral e progressiva do homem), eis que, quando se precisa de políticos quer-se bons administradores; de médicos, pessoas tarimbadas no exercício da medicina; um juiz, aquele que passe com as melhores notas numa prova que equaciona – tão-somente – sua inteligência lógico-matemática, sua capacidade mnemônica e seu talento argumentativo, não o seu caráter. Nunca se pensa, eu quero um médico moralmente correto, um juiz equânime, ou um político honesto.
Diante disto, como, então, nos espantarmos se eles se tornarem criminosos?! Se não nos preocupamos em lhes fornecer (ou ao menos exigir) uma base moral qualquer.
Indignarmo-nos, sem dúvida, nos espantarmos, não!
FRANCISCO DE SOUSA VIEIRA FILHO[1]
Também disponível em:
http://www.portalodia.com/jornal/pages/pdf_14-03-2008_6_20080314095707.pdf (Espanto x Indignação)
[1] Francisco de Sousa Vieira Filho é advogado em Teresina-PI, militando na área trabalhista, professor de Filosofia Jurídica e Criminologia (FAESF – Floriano-PI), especialista em Direito Constitucional e mestrando em Direito pela Universidade Autônoma de Lisboa – UAL.
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segunda-feira, 14 de abril de 2008
FOLHA EM BRANCO OU COM ALGO ESCRITO NELA?!
FOLHA EM BRANCO OU COM ALGO ESCRITO NELA?!
Não se trata de uma análise técnica ou rigorosa, apenas um elencar aleatório de alguns fatos corriqueiros e um exercício imaginativo para que possamos algo pensar acerca da questão. Portanto, não se espere aqui ler algo que nos reporte diretamente a um Piaget ou a um Chomsky.
* * *
Não recordo se se tratava de notícia plausível ou apenas de um boato, mas li, há algum tempo atrás, que o ator Anthony Hopkins, após considerável tempo interpretando o Dr. Hannibal Lecter, teve de fazer um tratamento com um psicólogo (ou psiquiatra, não lembro) para se desvencilhar da personagem – um psicopata com inteligência acima da média, ele mesmo um psiquiatra forense, com forte pendor artístico e hábitos canibalescos. Acho que todos conhecem os filmes em que ele protagoniza: “Silêncio dos Inocentes”, “Dragão Vermelho” e “Hannibal”. Pois bem, diz-se que ele teria feito isto a pedido de sua mulher, que, eventualmente, teria notado alguns olhares “enviesados” do ator dirigidos a si, como se a personagem estivesse aflorando e predominando sobre o próprio ator.
De outra feita, foi o ator Patrick Swayze, que, após o filme “Para Wong Foo, obrigada por tudo, Julie Newmar”, em que interpretava um homossexual, sentiu necessidade de fazer esportes radicais (bungee jump, rapel, escalada, etc.), pois dizia ter imergido demais na personagem, um transformista, e estaria trazendo hábitos e trejeitos da ficção para sua vida pessoal. Em entrevista ao Jô, disse saber andar de salto melhor que qualquer mulher e desafiava a todas.
Certa vez, no antigo bairro em que eu morava, havia um casal com apenas um filho de dois anos, dois anos e meio, algo assim. Não era lá um bairro violento. Mas os pais do garoto sempre diziam à empregada que não podia atender no portão pessoas que não fossem conhecidas da família. Diziam que não se devia dar esmolas, por receio da violência, etc. A criança mal balbuciava as primeiras palavras, mas quase sempre estava por perto quando os pais diziam isso, porque a empregada era também sua babá. Eu mesmo já havia presenciado eles dizerem tais coisas perto da criança. Pois bem, a despeito mesmo dessa "influência" contrária dos pais, sempre que havia um pedinte à porta, o garoto se dirigia à despensa e trazia um saco de açúcar, de flocos de milho, ou algo assim, e ofertava a quem pedia. É um caso isolado, eu sei, e também não serve para – da situação – querer estipular uma regra. Mas já observei também – e creio que muitos também tenham participado de experiência similares – crianças serem naturalmente egoístas com seus brinquedos, quanto a ter que dividi-los com irmãos ou amigos, e outras já sendo mais desprendidas. E isto em se tratando de crianças que sequer sabiam falar ou que – segundo pensamos – não teriam meios de absorver influência racional quanto ao que entendamos por altruísmo ou egoísmo. Genética?! – sabe-se lá...
Nas aulas de medicina legal e criminologia, analisando um sem-número de patologias psíquicas e psicológicas, notava, em conversas com os colegas de turma, que não havia um só dentre nós que não se identificava, em maior ou menor monta, com os casos analisados, qual observássemos termos algo, uma mínima semente que seja, de todos aqueles comportamentos patológicos.
Pois bem, neste sentido, pergunto: podemos dizer que somos uma folha em branco em que tudo se insere; ou poderia ser mais producente e adequado dizermos termos em nós a potência para todas os pendores, sejam eles bons ou maus?! Ou ainda uma proposição que coadune as duas coisas: folha com algo escrito com espaços em branco?!
Acho que, por vezes, tendemos a nos apaixonar por nossas concepções, idéias e teorias e a tratá-las como bandeira de fé inarredável, muito disto em decorrência de uma apreensão e uma leitura equivocada de Descartes, ainda que sub-reptícia, já que podemos absorver muito de seu pensamento antes – ou a despeito mesmo – de tê-lo lido, pesando fortemente o reflexo da imposição educacional de um modo de pensar mecanicista que diz ter raízes nele. Seria como se puséssemos uma lupa num fator, por vezes nem o principal, mas num que se coadune mais com o que pensamos, e desprezássemos os demais. Apreenderíamos o simples, e esqueceríamos o complexo. Mas e se a Verdade descortinar que todas as respostas estão corretas?! Aí – com certeza – iríamos nos debruçar em saber qual proporção de cada uma teria nesta conta.
Ora, nada parece ser simplório como queremos crer. Ainda temos a "mania" herdada de uma má-interpretação sub-reptícia de Descartes de divisar as partes, o simples, e não o complexo. Observamos com lente de aumento uma das causas e julgamos seja ela a única. O que quero dizer é que – mais provável – exista um sem-número de fatores e não um só, como queremos mais facilmente digerir, porque mais simples.
Se for como na metáfora da folha em branco, penso, seríamos como uma folha com algo escrito mas com muitos espaços em branco para serem preenchidos a posteriori. Se formos como o brinquedo lego, livres para encaixarmos novas peças ou as retirarmos, como uma amiga certa vez me colocou, o núcleo – acredito – terá algumas peças inamovíveis.
Apenas para exemplificar: de que experiência exterior retiramos a idéia de ponto ou a de infinito?! E não me venham dizer que de idéias pouco plausíveis a imaginação humana está cheia. O pontual e o infinito não encontram reflexos na maneira de ver empirista, tampouco se podendo dizer tratar-se de idéias fictícias (produtos da imaginação), nem de idéias adventícias (resultado da apreensão do meio), senão de idéias inatas (proposições embrionárias que traríamos conosco, não sendo resultado do aprendizado ou da experiência). Vejamos, a matemática mesmo – para usar o exemplo mais evidente – constantemente nos assombra com proposições e idéias que não advém da experiência sensível, como trouxéssemos no íntimo algo mais, algo além.
Penso, fôssemos qual folhas, nem tudo nela seria uma pauta branca ansiando por seu escritor.
Também disponível em:
(Papel em branco - I)
(Papel em branco - II)
[1] Francisco de Sousa Vieira Filho é advogado em Teresina-PI, militando principalmente na área trabalhista, professor de Filosofia Jurídica e Criminologia (FAESF – Floriano-PI), especialista em Direito Constitucional e mestrando em Direito pela Universidade Autônoma de Lisboa – UAL.
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