quarta-feira, 14 de abril de 2010
DE TINTA E CUNHA
DE TINTA E CUNHA
Nem tudo precisa de um porquê. Nosso modo Ocidental [de pensar, de agir, de viver] quer sempre buscar por um – um porquê, uma razão, uma ordem, uma lógica. Queremos uma seta, uma mira e um alvo. Queremos um móvel e um motor. Queremos um destino [e veja o desatino], não apenas isso, não apenas fim, mas começo e meio também. Queremos o caminho fácil, traçado no mapa da ilusão, e que haja tesouros ao fim da jornada sem-fim. Queremos a certeza num universo de incertezas. Mas, sim, neste caso específico, há bem um porquê – e com um quero dizer sejam vários [desvarios, melhor se diria]. A resposta fica a depender do momento, do texto, do estilo, do que mexe, do que move [e que nos move também]. E daí o porquê de dizer já não diria apenas um, mas alguns [porquês]. Pois bem: ora escrevo por catarse, pra purgar e expulsar. Externar seria muito comedido pra poder expressar a pungência da idéia. Ideal mesmo seria: “botar pra fora”. Escrever aí é terapia. A intenção é a de, quem sabe, olhando no espelho do mundo o que outrora dentro esteve [e, por vez, ainda está], possa melhor analisar, divisando os meandros do que se extraiu. Ainda que, por vezes, o que se extraia seja horrendo, por vezes, belo, por vezes, cause choque e espanto, por vezes, seja apenas vômito a ser rejeito, mas, por vezes, é ainda pedra bruta a lapidar na alma. E, por meio de tal análise, seja lá o que vier, sonho então possa um tal procedimento viabilizar a cura. Ora escrevo só pra mim, por puro prazer, por gozo e pela arte – pelo puro e lúdico gosto de apenas brincar com as palavras [por vezes com os sons], tal qual um jogo, um duelo que se trava em meio ao abismo que há entre o símbolo e a idéia. Ora escrevo pros outros, pela paga de um simples e bobo elogio, e ainda pra cutucar, pra mexer, pra 'causar', pra chamar, pra gritar e até pra acordar. Ora escrevo por exigência – 'ossos do ofício' – pra convencer, pra defender, pra turvar, pra mentir e enganar [embora reconheça a arte engane mais – e bela seja ao menos]. Ora escrevo porque sinto faz parte do que sou [e cause estranheza talvez o fato de que alimento é algo de que se nutre, algo que adentra, algo de que se constitui e passa a fazer parte] mas é dela [da escrita] que por vezes me alimento [embora de mim é que ela advenha – Advém? - Torço não seja excremento]. Escrever é então uma necessidade – tal qual a de respirar. E nem sempre dá pra parar a despeito dos imperativos do dia-a-dia a berrar sua maior urgência, pois a urgência maior é viver a alma em seus longos haustos. Escrever aí é desnudar-se – e se é pra fazê-lo, que seja sem pudores [inda que o que a nudez revele nem sempre seja belo ou digno de apreciação]. Ora escrevo porque então é a letra que impera e a íntima voz que comanda. E como se me ditassem as palavras que me vêm da mente, assim elas são. E tão belas e fortes em ímpeto de idéia que mal as mãos se prestam a tão rápido transcrever os signos, as rimas ou as metáforas sem que a mente a tudo perca. Ora escrevo só... E ora escrevo, pois palavras são só signos, nada além – e mais importam as idéias a que elas, palidamente, tentam se reportar e representar, ocultando-as sob o véu e a máscara. Escritos, sejam lá quais forem, falam quase sempre do que não podemos transmitir a outrem com nossos signos primitivos. E ousar escrever é reconhecer, sem frustração, nossa incapacidade de comunicarmos certas idéias e sentimentos – e, sobretudo, perceber haja beleza nisto. É por isto que ora só escrevo e sem mais: sem razões, sem instâncias que lhe confiram mote, ordem ou direção – motor, móvel ou pulsão. E escrevo porque há uma mágica e as palavras são como runas que nos transportam para outros mundos e nos conferem dons que nem imaginávamos possuíamos e nos aproximam dos deuses. Ora só escrevo... e chego a bendizer, quando não a amaldiçoar, não o dia em que os Fenícios fizeram traçar mágicos signos em forma de cunha em pequenas tabuinhas de barro, do mesmo barro de que fomos feitos [sendo então co-criadores de uma criação sem-fim, o Criador se dando a conhecer pelas criaturas, como a árvore se dá a conhecer pelos frutos], mas o dia, aquele perdido dia, oculto na noite dos tempos, em que um bando de primatas ousou misturar os sumos de flores e frutos pra registrar vida e o que quer que seja – em cores vivas – nas paredes de suas cavernas... “Escrevo porque o instante existe...” e desejo imortalizá-lo, e até mesmo o que nem exista ‘ainda’, e a quem interessar possa...
Francisco de Sousa Vieira Filho
ARTE: http://fc05.deviantart.com/fs24/f/2008/006/8/c/Truth_by_damnengine.jpg
&
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54 comentários:
Eu, que teimo em escrever, me identifico com vários trechos da sua prosa. Ela parece até um diálogo direto, de alma para alma, entre "escrevinhadores". =)
Beijo.
Diálogo, creio, já há entre nós - de par em par. Não uma, mas várias vezes, parece que me lê a mente e decifra até o que fiz pra ser quase indecifrável... dialoguemos, pois... e 'escrivinhemos' sobre a pele da alma...
Beijo, menina!
;)
Como sempre um texto muito bom e reflexivo.
Não preciso nem dizer que adorei, né? Mas eu vou dizer: ADOREI!
BeijooO'
Pois que bom que gostou... julguei ter viajado demais na maionese rs...
Beijão, Valéria!
:D
Os porques que eu não quero saber
deixo o inesperado escolher.
Beijo grande moço
Que seja então a um por vez ou todos juntos de uma só vez... :D
Beijão, Re!
É isso, eu escrevo o que grita a minha alma, e nem sempre qdo escrevo de solidão estou triste.Neste momento por exemplo não estou trancada num quarto, estou trabalhando,mas minha alma pede que eu escreva de solidão...vai entender.tem explicação?
Um beijo coração.
E que a arte minta mais e inda mais bela seja...
Beijão, Felina! ;)
Francisco, nunca me ocorreu de perguntar à você autor de tão belos textos, porque os escreve, mas...confesso que foi interessante saber, e isso trouxe a possibilidade de entender um pouco mais da sua veemência em alguns temas.
beijinho
silvia
(Tem umas pessoas bem bonitas no Longevidade)
Seu texto é tudo que teimo em dizer mas nunca soube como...
Bjos achocolatados na alma.
Oi, Sílvia! Escrevemos porque somos... ;)
Beijão, menina!
P.S.: logo dou uma espiadela por lá...
:D
Sou chocólatra... XD Beijo, Sandra! ;)
Francisco, não há como não se identificar com sua escrita. Gosto muito!!!! Bj
Beijão, Lai... dizem: semelhante atrai semelhante... ;)
Texto excelente! Você disse aquilo que eu gostaria de ter dito.
E que fecho! Realmente, escrevemos porque o momento existe e, se não existe ainda, quer melhor pretexto?Parabéns, Francisco!
Um abraço
Pré-texto - vontade... ;)
Beijão, Zélia!
:D
Oi, Franciso,
Escreves e bem. Tua prosa é tão apreciável quanto teus poemas. A meu ver, não há modo melhor de conhecer uma pessoa do que lê-la. As palavras são janelas para a alma.
abrs!
Obrigado! Vou defenestrar-me para melhor me dar a conhecer então... :D
Beijão, Ana Lúcia!
;)
Fui eu quem fiz a pergunta... e nem tenho a resposta.
Os porquês fazem parte sempre da nossa vida.
adorei as imagens,
lindas !
um abraço querido.
Texto interessante meu caro Francisco. Escrevemos sim porque o instante existe, porquue somos poetas como versejou nossa saudosa Cecília... Um grande abraço.
A semeadura é livre, mas a colheita obrigatória... escolhe-se o que se semeia, mas colhe-se necessariamente o que se semeou... noutros termos: não se tem liberdade na colheita rs...
Beijão, Laís :D
Beijão, Sarah! Haja sempre porquês, mas sem tanta [o]pressão... ;)
Um forte abraço, Úrsula! Sigamos a escrevemos pelos insTANTOS... ;)
Então querido amigo, achamos que a fazse do porque, é dos 3 aos 7 anos de idade, mas o ser humano vive na eterna fase do por que, achei demais sua filosofia do porque. Então acabei de chegar de vaigem e logo vou postar novidades em meu blog me espera, beijos mil
com carinho
Hana
o instante existe, mesmo q não seja o real. é talvez um desejo desconhecido pois o real é insuportável. gostei do seu texto meu caro. abraço
Então, Francisco, um expressivo e bom texto. Parabéns. Sem contar os outros que não tinha lido. Salve! bj
Que texto incrível, Francisco. É mesmo extraordinária esta aventura pelo caminho das palavras. Como digo no meu perfil no Longitudes: Porque palavras são estradas, caminho por aqui. Para onde me levam, porque e para que - pouco importa. O caminho é fascinante. beijo.
Uma filosofia nova, além da dos porquês: a sensação que eu tenho é de que, a cada post novo, o anterior vai se perdendo, vai se afundando, que dele eu vou me esquecendo, deixando-o lá no fundo, onde não mais o lêem... :D
Beijão, Hana!
Forte abraço, Isaías! E seja bem-vindo!
Hail to thee, dear Adriana Godoy!
;)
Porque palavras são estradas, caminho por aqui. Para onde me levam, porque e para que - pouco importa. O caminho é fascinante.
Belíssimo, Nydia! Beijão!!!
E por tanto (assim mesmo, separado) e dadas as circunstâncias é que escrever é preciso.
Não sei, Francisco, mas, conseguiste elencar tantas razões e motivos que mais não bastaria. Mas sabes bem que ainda há, e para além do que se que se vê ou sente, há o que se pressente, transcender.
Excelente texto!
abraços e bom final de semana.
Sempre há, Mai, e o bom é isso: sempre haverá... somos perfectíveis e não perfeitos - a estrada é infinita... ;)
Beijão, menina! Obrigado e um ótimo fds pra vc tb... :D
Tantos porque's nesta vida, vamos respondendo devagar cada um!
Um abraço Francisco!
Forte abraço, Juliana!
:D
Caro Francisco, sejamos sinceros, sem redemoinhos: - Tu escreve porque sabe! E poucas vezes na vida vi textos tão bem escritos, mas, como já disse: - Tu é um mestre erudito e muito temos a aprender contigo! Parabéns, tive milhares de reflexões instantâneas enquanto lia!
Um abraço!
Vindo de quem me deixou [literalmente] sem palavras com o "Fotos de Karen" muito mais me horna, Léo... já te disse em outras oportunidades, na crônica me viro bem, na poesia idem, mas o conto é [de fato] meu campo de justas e nunca fiquei tão impressionado com um conto quanto fiquei com o teu. Nunca na vida escrevi um só conto contemporâneo e, pelo apego à Idade Média, não apenas as temáticas [contos fantásticos], como o estilo também, ficaram tão presos à época, que, quando o li o teu, e vi beleza num conto contemporâneo tão belissimamente escrito, cadente, com transição mágica entre as partes, clímax preciso mas não súbito demais, caracterização do quadro [com os devidos espaços à imaginaçao do leitor] e tudo o mais que um bom conto carece ter tão bem bem-delineados que só pude ficar sem palavras... mais que isso: com uma vontade danada de fugir do meu lugar-de-apreço e escrever contos contemporâneos também... fico feliz, muito feliz mesmo, que tenha gostado do texto, Léo... engraçado que a idéia surgiu de uma pergunta no formspring acerca de por quê escrevo - aí foi só deixar as idéias virem e tudo vir rolando despretencionsamente. No duro, nem imaginei que iria dar um bom texto, algo digno de leitura ou de figurar no 'post' por aqui, mas cá está... :D
Forte abraço, Léo!
:D
Francisco, voce escreve lindamenteeeeee!
Raras pessoas são assim:
Não usam as mãos pra escrever.
Usam a alma!
Grande abraço!!!
Espero que, diferente do lápis e da caneta, nem o cerne nem a tinta [da alma] gastem... :D
Beijão, Sil! ;)
"A intenção é a de, quem sabe, olhando no espelho do mundo o que outrora dentro esteve [e, por vez, ainda está], possa melhor analisar, divisando os meandros do que se extraiu".
Bravo!!!
Eu escrevo pra entender depois.
Grande descoberta esse blog!
Descubramo-nos, pois. :D
Beijão, Mulher na Polícia!
Seja bem-vinda por cá!
Dentro em pouco ouso espiar seu espaço também...
;)
Reflexão PRIMOROSA, Francisco.
Parabéns.
Talita
Valeu, Talita!
Há pouco falava de um texto do Léo Santos que me marcou muito... lembro ainda cá do seu "Canção do fim para o começo possível" - uma pérola achada na profundeza de uma madrugada insone... as referências filosóficas na medida ficaram perfeitas... ;)
Beijo, menina!
francisco, respondendo tua pergunta:
é, sim, no mínimo intrigante a decisão da cbf.
postarei sobre isto nesta próxima semana.
grande abraço!
Boa tarde Francisco!
Penso eu que a sociedade busca respostas para globalizar uma x miopia.
Já você busca para escrever... É um ato heróico de existir. Como este.
Bjuxxx e xerooo
Quero é a não-resposta [risos] Xêro, Juliana Carla! :)
Oi, Í.ta**, fico no aguardo! :D
Enquanto existirem perguntas e n existir respostas continuarei a escrever.
Lispector
Beijo
Beijão, Lilian! ;)
"E ousar escrever é reconhecer, sem frustração, nossa incapacidade de comunicarmos certas idéias e sentimentos – e, sobretudo, perceber haja beleza nisto".
beleza, há!
...em suma:
meta a pena no papel
o dedo no teclado
o grafite no tablado
o esprei na parede
o pé na jaca
na lua
o bloco na rua...
e aquele abraço
Beleza haja sempre... ;)
Valeu, Roberto!
:D
"ter algo a dizer e dizê-lo" eis toda a regra! :D
Abraço, Guru!
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